sexta-feira, 31 de julho de 2009

ONDA

Onda que me leva ao silêncio das águas do mar, para depois me fazer repousar em areias brancas.

Lilian Flôres

terça-feira, 28 de julho de 2009

FOLHA

A folha é a ilusão da borboleta, quando lhe revelam o sonho, ela cria asas e se conclui a sempre necessária metamorfose.

Lilian Flores

VENTO

O vento já soprou e não trouxe resposta, trouxe a semente, que ao germinar, revelará o segredo em dó maior.

Lilian Flôres

sexta-feira, 24 de julho de 2009

EU SOU

Eu sou o que não sei que sou. Dizem que me chamo ------, mas eu não me chamo. Chamam-me! Ser o que não somos é sonho, doce ilusão. Ser o que não imaginamos que somos é existir despreocupadamente e ser o que somos é a enganação da realidade. Existir ou não existir? Existir apesar de... Ser é a verdade fantasiada de mentira. Uma mentira que paga impostos. Ser ou ser? Seremos! Seremos o amanhã transfigurado de outono. A palavra camuflada de silêncio. O amor revestido de conveniências. A guerra reinventada de utopia. Sermos? O apesar nos salva.

Lilian Flôres

terça-feira, 21 de julho de 2009

FERRUGEM

O amor é como a ferrugem, corrói as entranhas, os ossos, os olhos... tudo em que há água salgada. Só os seios não se deixam inundar de sal, porque neles há fonte de leite doce. Doce e calmo como as águas do rio em que me banho.
Já o outro extremo é feito de mar salgado, cheira a maresia e é todo revolto. Quem olha para um extremo vê uma serenidade sacrossanta. E quem olha de outro extremo não vê, apenas senti! Senti água, pedras, lírios, escama, cacau e outras coisas que são secretas, porque se eu disser tudo, perde a graça e eu gosto de brincar de pique-esconde.
 
Lilian Flôres

SAFRA RARA

Era verão. O avermelhado verão, quando sentiu entre suas coxas escorrer amor. Um amor rubro, todo feito para o adeus.
Não sabia por quem puxara porque o sangue de sua mãe era tão límpido, quase rosa. Se esvaia por entre quartos, banheiros e cozinha; como uma garrafa de vinho rose se derrama entre taças. Talvez tenha puxado por seu pai. Seu sangue era cristalino e percorria o quintal, ultrapassando o cercado da casa; como o vinho branco que se evapora sobre o pernil assado.

E a pergunta permanecia entre dentes. Era uma pergunta que não tinha resposta. Era uma pergunta que assassinava respostas. A resposta é faca de dois gumes. E por isso não respondia às perguntas, porque gostava mesmo era de ir dizendo.

No fundo temia a resposta. Ter medo era seu modo de viver. Só sabia dizer adeus como seu sangue. Adeus era romântico, religioso e também vermelho. Era como se estivesse desistindo a favor de Deus. Adeus era seu sinônimo de fé. Quanto mais dizia a Deus, mais sangue escorria entre suas pernas. Um sangue que morria na mesma terra em que fora semeado.

Era fevereiro e sol invadia seu quarto pelas frestas da janela e o calor impulsionava-a escrever poesias para exorcizar a vontade de dizer adeus. Como lhe faltava coragem, sussurrava a Deus às palavras não ditas na folha de papel. Como um cordão umbilical se despede do ventre materno e se entrega a mãos salvadoras.

Tentava escrever coisas banais. Queria ser leve. Falar das amoras silvestres, do gosto e do cheiro do café amargo, do silêncio do mar, do peixe que se escama, etc, etc, etc. Mas não conseguia... Tentava. Só Deus sabe como tentava, mas seus pensamentos suplicavam: sangue, vinho, galinha ao molho pardo!E por ser assim, ninguém a entendia, nem ela mesma se entendia às vezes, por isso perdoava, como a galinha perdoa Deus por nascer sem amor.

Queria dizer como vai? Mas como vai é verde e ela queria o vermelho. Mas o vermelho é vinho tinto de safra rara. Não se bebe, contempla-se. Vinho velho em odre novo e eu quero o gosto do carvalho.

Para amassar a uva é preciso amá-la. Para despejá-la dentro do odre é preciso amá-la. E dessa fermentação de amor, ter-se-á vinho nobre. É preciso amar o que se deseja beber e comer. Assim como a minhoca ama a terra e a galinha ama a minhoca e a dona da galinha ama seu pescoço decepado jorrando sangue de seu corpo gordo; para depois vê-la em pedaços, temperada com sal, ervas e sangue morno. No menu: Galinha ao Molho Pardo: sangue que se ama até a morte.

O vinho foi derramado sobre a toalha de linho branco e ela ficou calma, totalmente entregue ao sangue que pulsava dentro de si. Nunca se ama o sangue alheio. O sangue alheio é azul e o meu é vermelho-vinho.

A luz do abajur sobre a mesa deixava o vinho derramado mais vermelho. Queria bebê-lo misturado com o verniz da mesa de canela. Mas naquele momento lhe era proibido. Então tomou-se pela voracidade de dizer adeus. Depois, solitariamente com sua língua escarlate bebeu todas as gotas daquele raro vinho. Nem a toalha poupou, apesar de ter entranhado no bordado, fez o doce sacrifício de tentar torná-la alva novamente.

Amar o invisível é tarefa para os poetas. Eu amo o vinho que se deixa derramar sobre a toalha branca. Eu amo o vermelho da espada-de-são-jorge. Eu amo o sangue. O sangue é sagrado, como a tinta rubra da caneta que escrevo. É preciso pensar no sangue como se pensa em amoras silvestres.

Lilian Flôres

TERRA FÉRTIL

Aqui jaz uma terra fértil cheia de minhocas e caramujos a espera de novas sementes: e eis os frutos crus. Quem os colherá? O jardineiro? Talvez! Mas dizem que Ele só colhe o que está maduro. O fruto que está quase caindo do galho. E ela ainda está verde. Verde e crua!

Ela quer o inacabado... o que está para acontecer...o futuro... o amanhã...o depois e o depois do amanhã. A fruta caída do pé!

O que escrevo não é um grito e sim um sussurro... Um sussurro de ave de rapina. Faltam-me palavras e como sempre o silêncio me consome. Logo eu que grito: - ALELUIAS! O sol bate em minha janela e eu vivo!

E os frutos? Não sei. Agora estão caídos no chão esperando o jardineiro que fingirá não ver alguns deles, para que germine a semente nascida sem se plantar. Amém! O milagre da vida!

E o Bagaço? Esse como sempre fica na beira do caminho, onde os pés nus pisam; os espinhos sufocam e o pássaro come. Come como se fosse seu único alimento.

Mas onde estão as palavras? Como sempre não sei! Então, nos comunicamos com os dedos e como surdos e mudos contemplamos a orquestra de violoncelo.

Cadê o silêncio? Ele pulsa entre os raios de sol que nos separa, entre a terra arada; entre a videira, entre o cálice de vinho, entre o átrio; entre, entre, entre, entre, entre...

Lilian Flôres

segunda-feira, 20 de julho de 2009

TERRAS DESCONHECIDAS

Isso não é um conto, é um sonho. E sonhos são feitos de açúcar. Mas eu quero o fel, quero o que me é proibido. Mesmo que me seja negado. E assim posso sentir ao acordar o gosto de leite talhado, azedo, amargo entre minha saliva e meus dentes.

Sei que terei que despir-me de mim mesma e criar uma mulher. Uma mulher que precisará morrer no final dessa história. Por que estou contando o final? Também não sei. Talvez, porque minha natureza seja desobedecer. Talvez, porque sei que você não gosta de saber o final antes que seja o final. Porém, como isso não é um conto, revelei-te o recheio desse sonho com muito fel e mel.

Luana nasceu condenada a desobedecer. É seu instinto. Quanto mais desobedecia, mais queria desobedecer. Não sei explicar o que a movia fazer justamente o que não queria. E melhor, a fazer justamente o que as pessoas não esperariam dela.

Ela é meu oposto. Por isso estou inventando-a. Nela há um quê de verdade. Nela há um quê de pureza temperado levemente com um quê de sensualidade. Essa pureza provoca-lhe medo, ao mesmo tempo que a sensualidade provoca-lhe coragem. Medo de tocar no que lhe é proibido. Medo de ter o que não lhe pertence. Mas existe alguém que pertença a alguém? Enfim, o medo lhe protege de pisar em terras desconhecidas. Já a sensualidade que percorre suas veias com suavidade, impulsionando-lhe a uma coragem quase que inata. Uma vontade de continuar, de enfrentar as feras e domá-las com carne e vinho.

Essa coragem é que lhe fez participar desse sonho. Um sonho em que ela desconhece o personagem principal. Um sonho que é sonhado por outra pessoa: o desconhecido, o narrador ou a narradora?

Só pode ser a obediência. Eu não me importo de ser a coadjuvante dessa história. O importante é sonhar, mesmo que esse sonho não me pertença. Mesmo que esse sonho seja parcialmente meu.

Por isso eu resolvi participar dele também e tentar salvá-los. Para isso terei que mudar o curso desse sonho. Mexer no que está oculto. Tocar nas palavras não ditas. Alterar os destinos já que eles ainda não foram traçados. Pelo menos não lhe foram narrados. E como conheço o fim, antecipo-me dando ao anfitrião - o herói dessa história, sua carta de alforria, um final de paz. Um final em que fique livre da intrusa. Da mulher que atormenta seus sonhos.

Não será nada fácil, porque ambos rejeitarão esta história. Ela porque não deseja morrer. Como todas quer ser única, imortal, eterna, inclusive nos sonhos. E morrer é ceder espaço para o outro. E isso é autoflagelo.

E ele, porque não está preparado para perder o que deseja. Perder provoca-lhe dor e ele é o mocinho dessa história. E mocinhos são anestesiados. Mocinhos são vencedores. Eles permanecem até o fim, mesmo que pra isso precise virar lenda. Mocinhos sempre continuam...

Por isso quero que eles troquem de papel. Quero que eles se confundam e se fundam num só personagem. O melhor e o pior de cada um intrinsecamente num só ser. Será possível? Não sei. Você é um ou dois? Eu sou dois, três e às vezes quatro. Tudo depende do ângulo.

Não saber das coisas é minha salvação. Não saber é dar a oportunidade ao galã desse sonho pensar e mudar ambas as histórias.

Mas onde estão as histórias? Talvez esse sonho não tenha história. O que sei sobre o herói é que ele gosta de literatura. De ler o que é escrito milagrosamente.

Eu não. Eu venho aqui para mostrar que escrever é necessário. Que escrever é uma faca de dois gumes. Que escrever é traçar o seu próprio destino e transgredir a história já escrita. É mexer no que se pensa ser segredo.

É preciso começar, mas eu tenho certo medo que Luana comece a falar. Ela é desajeitada. Tem uma ingenuidade profana. Luana me assusta. E não assusta somente a mim. Ela assusta o herói dessa história também. Ele tem medo do que ela fala. Ela é impulsiva demais. Fala o que não deve e sempre na hora errada. Ela e ele não me conhecem, portanto não sabem ainda distinguir a pessoa da personagem. Por isso, prefiro me esconder, me omitir.

Esse personagem será um personagem monossilábico. Só ela falará de si. Ele apenas concordará porque não sabe negar o que se pede em silêncio e ao pé-do-ouvido.

Apesar de tão diferentes, são muito iguais e isso me assusta. Assusta tanto, que fico mudamente olhando-os. Ele a olha como se fosse uma fruta madura. E ela não o olha. Apenas senti! Senti que há fogo consumidor e por isso teme seu olhar.

Ao seu lado, ela se distrai fingindo ler livros já lidos. E para camuflar o medo, lê alguns trechos do livro em voz alta para que torne verossímil a leitura. Assim, pensando que ele está atrapalhando-a, conversa com um e com outro e com os botões da camisa. Mas, apesar de aparentar distraída, quando percebe que está perdendo-o de vista, propõe um diálogo em que não precise olhar em seus olhos, e de canto de olho, ela o observa. E assim conversam por longo tempo.

Quanto tempo isso dura? Tempo necessário para se descobrirem. Talvez eles terminem essa história sem se olharem nos olhos.

Apesar de gostar do inacabado, do que está para acontecer. Ela admite desejar aquele homem desconhecido que a convidou para frequentar seus sonhos. Mas para descobrir os seus mistérios, precisará penetrar seu olhar no dele. Por isso acho que não demorará muito para Luana render-se aos seus encantos.

Não foi isso que planejei. O plano era matar a protagonista, mas como fazer isso se agora não sou mais eu que a domina? Ela agora anda com suas próprias pernas. Como matar uma mulher quase muda e quase apaixonada? Reina o silêncio dos inocentes.

E ele? Ele tem um orgulho santo que provoca inveja nos que o rodeiam. Tem cheiro de açúcar mascavo com canela. Suas poucas palavras são cantadas em ré menor. A música entra pelos seus poros e sai pelos seus dedos. Já Luana é feita de fruto e folha. Seu cheiro é de maracujá e seu gosto é de hortelã recém ceifada. A poesia entranha em seus ouvidos e transpassa sua pele.

Ambos se deixam levar pelos sentidos e assim seus olhares invadem suas almas. Uma invasão quase permissiva. Querem se enxergar e como num caleidoscópio vêm suas imagens e desejos refletidos um no outro.

Aos poucos vão se entregando. Palavras, olhares, vinho, mãos, saliva ... calmamente encontram-se entre sussurros e gemidos.

Lilian Flôres

TERRA LAVRADA

Maria era mulher de todos os dias. Era feita de braços, pernas e peitos. Os braços acolhiam todos que precisassem de um ombro amigo, uma ajuda ou até mesmo um cortês cumprimento. Não era mulher tímida, pelo contrário, sempre estava à frente de tudo e de todos. Às vezes até sem permissão. As pernas e os peitos eram seu segredo maior. Não os mostrava para ninguém. Sempre de saias compridas ou longos vestidos que escondiam desde seu tornozelo carnudo até seu pescoço.

Um dia foi ao médico e descobriu que estava quase surda. Sofria de surdez passageira. Logo ela que apesar das vestimentas discretas era feita em pura alegria. Teria agora que aprender a conviver com o silêncio de seus risos. Além dos seus, não ouvia os alheios também.
 Estava aprendendo amar o silêncio. Não era tarefa difícil, mas também não era fácil. Digamos que poderia ser possível. Como é possível se aprender a escrever.

Eu queria escrever o silêncio, mas ele me é proibido. Tem gente que acha que o sussurro é silêncio. Eu acho que o grito é o silêncio. Eu sou escandalosamente silenciosa - toda feita em gritos! Agora mesmo é que eu queria gritar: SILÊNCIO! Mas se eu gritar será sussurro, porque o grito está abafado dentro de mim. E quanto mais grito: SILÊNCIO! Mais sussurro emana de meus lábios.

Maria não, Maria é puro grito. Um grito que ecoa em terras lavradas de estrume e milho.
Tenho dois palpites sobre o silêncio: um ele é vermelho-puro-sangue e outro verde-água-esmeralda, ambos pulsam dentro de mim. Mas qual dos dois será que ela escolheria? Não sei. Só sei que se soubesse mentiria. Porque a verdade dói demais e ela gosta da mentira nua e crua.
Maria com certeza é vermelho-puro-sangue. Ela é concreta. Ela é o meu disfarce. Ela existe para que eu possa dormir tranquila, sem incomodar a vizinhança.

Queria mesmo era pegar o silêncio, mas ele novamente escapou. Há silêncio sacrossanto dentro de mim. Há silêncio morno, pronto para ser vomitado.

Lilian Flôres

TERRA ÁRIDA

Ela estava deitada sobre a areia negra e ouvindo vozes trazidas pelo vento. Talvez só ouvisse as vozes que ecoava dentro de si mesma. Talvez? Talvez era sua forma de se disfarçar.

Uma voz cochichou que “o amor está para bater em sua porta”. Mas ela não tinha porta e sim janelas. E agora? Acho que não será desta vez. Sentiu que teria que esperar mais um pouco. Essa voz não era pra ela!

Outra voz sussurrava dizendo que “estava muito quente”. Queria saber o porquê, já que sentia um frio danado que a consumia, fazendo-a tremer e temer o vento nordeste. A outra suplicava: “eu também quero”. Querer é poder? Querer sempre lhe provocava medo. Querer para ela era um talvez.

A outra berrava em alto e bom som: “cerveja, refrigerante e água mineral!!!!”. Substantivo e adjetivo soltos ao vento para quem quisesse pegá-los. Quem pagasse, saciava sua sede liquefeitas em palavras.

E a outra disse: “muitos já encontraram o amor de suas vidas ali...”. Ali, onde? Queria ter visto o dedo ou os olhos desta voz. Perdeu! Ficou com a palavra, com o mar e areia preta que dizem curar dores.
As dores na alma também? Ela ingenuamente acreditava que sim, por isso permanecia estirada naquela terra árida misturada de sol e sal, até o fim do verão.
 
Lilian Flores (Em Balneário de Barra do Sul, Praia do Bispo)

SEMENTE

Ordeno-te que germines!
Lancei-te sobre o pó da terra e saciei-te a sede e tu, porém, preferes clamar por enxurrada ou sol de 40 graus; para que em vão continues a sonhar solitária sobre a cova rasa onde descansas. Ora, o sol te queimará viva, junto com teus sonhos encobertos de segredos e a chuva torrencial molestará teu corpo frágil carregando-te às terras pedregosas. Decide-te! Para onde queres ir?
- Quero apenas alimentar minha fome de terra. Não! Não me dê água. Estou farta! Há chuva demais sobre meu corpo aleijado, e eu bem sei que fomos feitos para beber. Mas agora. Agora eu quero comer. Comer! Comer apenas. Guarde teu regador ou lances esta água dormida sobre as sementes vizinhas, mas não sobre mim. Quero raízes profundas e a tua água me apodrecerá, porque na terra em que me deito a fonte está transbordante. Quero terra nova, cheia de húmus aquecendo meus sonhos profanos, onde me transformo em puro espinho. Porque há tempos que o jardineiro não passeia pelo meu jardim que fenece a cada dia por sempre, inutilmente, esperar.


Lilian Flôres