quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Azul

Eu não poderia escrever esse texto se não estivesse utilizando tinta azul, porque outra cor seria traição e eu sou fiel. Fidelidade é azul como o mar e o latido do meu cachorro que grita: Saudades! Assim que me vê... Só que eu não o vejo e nem respondo seus lamentos. Apenas gosto de sentir os latidos ecoando em meus ouvidos, fazendo vibrar meus tímpanos, assim como os sinos vibram as vigas e as paredes da igreja matriz.É como se eu gostasse de vê-lo implorar por minha presença.


Outra coisa muito importante que é azul também: é a amizade. Ela nasce sem se pedir e só morre quando morremos. Assim como as flores do campo que nascem sem se plantar. E apesar de não darmos a devida importância, são elas que enfeitam as estradas, colorindo o mato verde e a poeira que há no meio do caminho. 

Assim também é a amizade que colori os dias cinzentos e as noites secretas que tentamos esconder de nós mesmos. Quando pensamos que está bem escondido, percebemos com seu doce olhar, que descobriu-se o que estaria atrás do pensamento. Depois de desvendado o mistério, só resta mesmo traduzir em palavras, sorrisos, lágrimas o que o olhar não disse. 


Ah! Lembrei... A felicidade também é azul. Mas eu tenho medo dela. Ela é silêncio acordado e sempre dorme na véspera. Ela tem um quê de felinidade, como os gatos: aparentam mansos e dóceis, mas quando o tocamos, tornam-se ágeis e vorazes. Temo o que não consigo sentir. 


Lilian Flôres

O Obscuro

Queria descrever o obscuro, mas ele se camufla de silêncio e quando tento pegá-lo, escapa por entre meus dedos; como a água do mar que deixa apenas seu cheiro de maresia entranhado em minhas veias. Por isso queria ver o silêncio se esvaindo em sangue. Assim quem sabe mataria minha vontade de entender o que não se vê.
No momento em que me olho de fora para dentro, vejo o nada. Fico noites a contar estrelas decaídas, tecendo pedidos que sempre chegam depois da hora marcada. De mãos vazias, olhos sonolentos e coração ensonharado, volto a alcova em que fui gerada. Fecho os olhos e me jogo em precipícios, ando a cavalo, grito, gemo, pulo e aterrizo numa madrugada que não foi feita para dormir. E como dama da noite permaneço muda e perfumada para o sol que surge à janela de meu quarto.

Lilian Flôres